terça-feira, 10 de junho de 2003

COMISSÃO DE ECONOMIA, INDÚSTRIA E COMÉRCIO - Seminário Banco Central - Autonomia X Independência

Data: 10/06/2003
Sessão: 0724/03
Hora: 9h17

O SR. APRESENTADOR (Deputado Delfim Netto) - Muito obrigado.

Concedo a palavra ao nobre Deputado Enéas.

O SR. DEPUTADO ENÉAS - Senhores conferencistas e ilustre platéia, primeiro, apesar de não me ter outorgado o direito de defender o Prof. Paulo Nogueira, que estou conhecendo hoje, ouvi menção específica a seu caráter amargo - meu colega, Deputado Delfim Netto, disse que S.Sa. estava falando em catástrofe - e quero dizer a todos que ele não é amargo. Ao contrário, chega a ser doce. Amargo sou eu, e vamos ver por quê. (Risos.)
 
Ele fala muito por alto, en passant, em catástrofe, com muito cuidado - eu entendo que ele o tenha. Não quer entrar em números. Vamos falar de números? O País não é este em que estamos. Estamos numa redoma de vidro em que especialistas de alto coturno, de alto gabarito tratam de questões da mais alta relevância nacional com o conhecimento que têm, mas a realidade da rua é bem diferente.

Vejamos: após S.Exa. o nosso Presidente... Não vou falar aqui sobre ninguém em particular. Prof. Nogueira, não há ninguém em particular que deva ser citado. O problema é este modelo perverso, cruel, concentrador de renda, que faz do Brasil uma colônia cujo papel precípuo é mandar recursos para a metrópole. A metrópole não são os Estados Unidos, mas as potências hegemônicas.

Há uma análise a fazer antes de formular minha pergunta ao Dr. Nogueira. A questão principal é: como estamos de fato? Temos dados oficiais dessa coisa estranha que se chama caixa-preta e que apresenta balanços de tremenda dificuldade de análise - dito não por mim, que sou professor de Medicina, mas por economistas do porte de Décio Munhoz e Adriano Benayon do Amaral; eles é que dizem da dificuldade de análise de dados muitas vezes escamoteados ali.

Pois bem, a realidade oficial é que, no ano transato de 2002, para um orçamento de pouco mais que o dobro disto, foram remetidos para o exterior ou para seus representantes aqui dentro 113,9 bilhões, um número astronômico. Muito mais do que os gastos com saúde, com a Marinha, com educação - essa palavra pode ser repetida 5, 6 vezes.

Concordo em gênero, número e grau com o Dr. Paulo Afonso, nosso colega Deputado, quando fala sobre o tema deste seminário, Banco Central - autonomia x independência. Senhores, o prato está feito, o pudim está à mesa. Não há solução. Ninguém está aqui com a ilusão infantil de que vamos mudar a regra. Isso já está decidido, vamos deixar de ser crianças, como foi decidido - todo mundo viu, no Congresso, pelo menos na Câmara, onde eu estava - que se iria mexer no art. 192 da Constituição. Discursos homéricos, vozes tonitruantes e, no fim, 13 entre nós se manifestaram contra aquela verdadeira heresia: quebrar-se o direito constitucional de não ir adiante. Tornou-se infinitamente mais fácil fazer o que se pretende fazer.

Na verdade, falei apenas de recurso financeiro mandado para fora ou para representantes estrangeiros estabelecidos aqui dentro. O problema é que estamos assistindo à reprise de um filme.

Quando se mencionava aos 4 ventos as privatizações - eu me recordo, era um espectador, estava do lado de fora -, muito ouvi falar sobre a Vale do Rio Doce. O argumento que se tinha era de que ela iria produzir mais e que os recursos iriam ser maiores. Ouvi muitas discussões a respeito. De que adiantaram? Se nos detivermos um pouco a analisar o que representava e representa a Vale do Rio Doce para a economia nacional, veremos que ela é um gigante da produção mineral.

Se atentarmos para o fato de que nossas riquezas são mandadas para o exterior a preço de banana; se lembrarmos que somos o maior produtor mundial de nióbio - com 98% da produção -, sem o qual não se constróem aviões supersônicos, e que ele vai embora; se pensarmos que a tonelada do ferro ou do alumínio lá fora vale menos do que uma noite num hotel 5 estrelas em Nova York; se imaginarmos que o quartzo é vendido in natura a menos de meio dólar o quilograma e que voltam os chips a 3 mil dólares o quilograma, pelos céus! O que falta para reconhecermos que somos colônia? O que se quer é agigantar o fosso, isso, sim. É fazer que o mínimo poder que ainda tem S.Exa. o Presidente seja dele retirado.

Os senhores me dirão: por que está falando isso se a questão está resolvida? É o jus esperniandi, o direito de espernear. Já que esse direito nos é dado, que pelo menos o utilizemos em bom vernáculo, para que não sejamos alcunhados, como o meu ilustre colega Delfim Netto, de jurássicos, de pertencentes ao período mesozóico, onde todos andávamos...

O SR. APRESENTADOR (Deputado Delfim Netto) - Onde éramos companheiros. (Risos.)
 
O SR. DEPUTADO ENÉAS - Eu também não uso essa expressão, Dr. Delfim Netto, porque não penso estar numa república bolchevista, com todo o respeito a V.Exa. Não me sinto nela.

Tenho todo o respeito por S.Exa. o Presidente. Tenho todo o cuidado de, quando me dirijo a ele, tratá-lo com o respeito que merece. Mas, lamentavelmente, nesses 4 meses, S.Exa. fez com que o desemprego, que era de 10,5% da População Economicamente Ativa - e já tem muita coisa no termo mal definida, o senhor sabe melhor do que eu, porque sou professor de Medicina e o senhor, economista -, chegasse a 12,4%. E quem tem coragem de dizer que as taxas de juros são defensáveis? Será possível que certas pessoas não percebem que isso é um abuso à inteligência humana?

Se a inflação brasileira fosse de custos, se todas as pessoas comprassem videocassetes etc., tudo bem, detém-se o custo, mas numa população em que quase 2 terços vivem numa economia de subsistência! Pelos céus! Isso é apenas um aceno de mão, isso é apenas um contraponto na orquestra.

Pode-se dizer: senhores detentores do poder mundial, estamos de acordo, não vamos mudar nada. E o que se quer é agigantar ainda mais o fosso, cada vez mais. Reparem: quanto maiores as taxas de juros, claro, mas vai cair a produção. Quem tem coragem de negar isso? Como o empresário pode produzir, esmagado, com uma tributação extraordinária?

Ouvi sorrisos também quando se falou em um país com carneiros. Pelo amor de Deus! O Dr. Mahathir, da Malásia, já teve coragem de dizer chega. Chega! Até quando vamos continuar servos, de joelhos? Alguém dirá: "O senhor só fala em catástrofe". Mas o que vemos no País? Prostituição infantil, prostituição juvenil, desemprego.

Nos pontos onde os ônibus param - não estou falando de Brasília, não conheço tão bem a cidade para falar -, em São Paulo, em pontos de cruzamentos de veículos, nos semáforos, vi indivíduos com uniformes do Sindicato dos Trabalhadores Autônomos. Meu Deus! Aonde chegamos? No ponto onde os ônibus cruzam, no semáforo, ou no sinal, ou no sinaleiro, ou como se chame, depende do lugar no País, há pessoas vendendo, para sobreviver, quinquilharia, produtos importados, enquanto a indústria nacional está patinando. Meu Deus! Os senhores dirão: "Catástrofe". Tudo bem. Eu aceito o epíteto e outorgo ao professor a defesa.

Não sou doce, sou amargo. Vejo uma realidade dura, terrível da Nação. Há 14 anos digo as mesmas coisas. Não há solução à vista, não tenham a ilusão. Enganam-nos outra vez, com eufemismo: autonomia e independência, palavras lindas. No fundo, o que se quer com o sistema financeiro internacional? Uso a expressão de maneira bem abrangente. O FMI é um braço apenas, é um octópode que suga as entranhas das nações. Falo do Banco Mundial e do Banco Interamericano, que, nos últimos 7 anos, para cada dólar que aqui deixaram, levaram 1,4 dólar. Corrijam-me se o dado estiver errado.

Investimentos para quê? Somos uma potência gigantesca, que tem talvez uma condição insólita, inusitada, única de sobreviver ao bloqueio. Temos condição de ditar nossas próprias regras. E dirão a cada instante - agora, sim, os modernos: "Não, o mundo é global. Temos de estar integrados. Precisamos de zircônio, por exemplo, sem o qual não fazemos nada em Angra". Muito bem, conversamos com a França. A França não precisa de alguma coisa? A França tem zircônio. Qual é o problema? O que custa darmos o grito de independência? O que custa termos coragem, livrarmo-nos dessa condição de servos, desse sistema pútrido que movimenta por dia mais de 1 trilhão - e bem mais, sabem os professores.

Tempo esgotado? Muito bem. A pergunta é para o Prof. Nogueira. Obrigado, Dr. Delfim, sou disciplinado. (Risos.) Sou extremamente disciplinado, gosto de ordem. Desagrada-me quando estou na Câmara, um colega fala e está todo mundo conversando.

Dr. Paulo, a pergunta é simples, específica ao senhor - tenho a minha resposta e quero ouvir a sua. O senhor acredita, com sinceridade, na possibilidade de, em algum tempo no futuro próximo, o sistema financeiro internacional romper-se como uma grande bolha especulativa que sangra os recursos das potências que pretendem estar em ascensão? O senhor acredita que, de uma forma ou de outra, teremos novo acordo de Bretton Woods, rompido em 1971 pelo Presidente Richard Nixon? O senhor acredita que haverá condição - eu quero a sua opinião - para que países como o nosso, a Argentina, todos os irmãos da América Latina e da África, possam levantar-se e ter um lugar ao sol, ou, na sua opinião, a caminhada para o abismo é definitiva?

Muito obrigado. (Palmas.)
 
O SR. APRESENTADOR (Deputado Delfim Netto) - Agradeço a V.Exa.

Com a palavra o Sr. Paulo Nogueira Batista.

O SR. PAULO NOGUEIRA BATISTA JÚNIOR - Deputado, eu não acredito que vá haver um novo acordo de Bretton Woods e nenhuma reforma abrangente da arquitetura financeira internacional, a menos que ocorra uma implosão de tal ordem na economia internacional e nas finanças que possa afetar os interesses dos países desenvolvidos de maneira clara. Enquanto isso não ocorrer, a sucessão de crises que às vezes sacodem violentamente os países da periferia - nós passamos por isso, como vários outros países - não será suficiente para mobilizar o interesse dos grandes países nessa reforma.

Essa discussão, na verdade, não saiu da retórica. Nada de muito importante foi feito. Mas agindo em alianças pontuais - não digo uma aliança total dos países em desenvolvimento, porque seria pedir demais - como as que estão sendo esboçadas pelo Governo Lula na área da política externa, com outros países da América do Sul, como a Argentina, agora sob outro governo, com a China, a Índia, a Rússia, a África do Sul, sem romper relações com os países desenvolvidos, porque isso seria também absurdo, o Brasil pode muito bem trilhar um caminho diferente, de maior autonomia. Não para o Banco Central, mas para o País.

Esta a autonomia que devemos buscar, uma autonomia perfeitamente factível do ponto de vista econômico-financeiro. Trata-se, por exemplo, de preservar com cuidado os ganhos, que foram espetaculares, que obtivemos em termos de ajustamento externo nos últimos 12 meses. Reduziu-se dramaticamente a nossa dependência em relação a capitais externos graças à queda do déficit em conta corrente. Não vamos permitir que isso seja desfeito por uma revalorização exagerada do real.

É perfeitamente possível conceber um sistema de controles seletivos, cuidadosos, da entrada e da saída de capitais na economia brasileira. O Brasil pode aumentar suas reservas. Elas são baixas demais. Não sei por que não se aproveitou essa conjuntura um pouco mais favorável dos últimos meses para começar a aumentar essas reservas. Enfim, o Brasil pode fazer muito para sair desse atoleiro em que se encontra.

Eu não adotei um tom amargo, mas até teria motivos para adotar, porque o Brasil está há mais de 20 anos sem crescer de forma sustentada. Esse caminho da integração dependente aos mercados financeiros em expansão não trouxe resultados para o País. Ao contrário, trouxe prejuízos.

No que diz respeito ao Banco Central, eu queria dizer o seguinte: o Banco Central precisa honrar o seu nome, o seu título de Banco Central do Brasil. (Palmas.)

O SR. APRESENTADOR (Deputado Delfim Netto) - Muito obrigado.

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