quinta-feira, 27 de março de 2003

Sugestão ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ruptura com o sistema financeiro internacional e para suspensão do pagamento da dívida pública. Auto-suficiência brasileira para o enfrentamento das dificuldades advindas em face da suspensão do pagamento da dívida. Possível realização, pelo País, de parcerias comerciais com China, Rússia e Índia, em caso de retaliações dos Estados Unidos da América pela suspensão do pagamento da dívida externa.

Data: 27/03/2003
Sessão: 029.1.52.O
Hora: 16h36

O SR. ENÉAS (PRONA-SP. Como Líder. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr., Sras. e Srs. Deputados, o texto que será pronunciado por mim é uma mensagem que o PRONA transmite a S.Exa. o Sr. Presidente da República.

No dia 19 de março de 2003, o mundo assistiu perplexo ao início da investida bélica dos Estados Unidos da América do Norte contra o território do Iraque. As razões apontadas para tal atitude, que contrariaram decisão da ONU, foram a existência naquele país de armas de destruição em massa, além de possível insatisfação coletiva contra o governo Sr. Saddam Hussein, apontado como ditatorial e sanguinário.

Na verdade, as razões que levaram os Estados Unidos a realizar uma invasão armada de um país livre e soberano, pelo menos em teoria, longe estão de representar uma preocupação com os destinos da humanidade, eliminando possíveis focos de terrorismo internacional, e muito menos de significar apreço pelas condições de liberdade e de democracia do povo iraquiano.

Para entender bem o processo, é necessário remontar ao acordo firmado em 1944, em Bretton Woods, nos Estados Unidos, onde se definiu o dólar como a moeda de referência nas transações internacionais e se exigiu que passasse a existir, como garantia de validade da moeda, um certo equivalente em ouro depositado em Fort Knox. Estava instituído o padrão ouro.

Em 1971, o Presidente Nixon rompeu as regras estabelecidas em Bretton Woods e a emissão da moeda americana passou a ser feita segundo os interesses daquela nação. A partir daí, os Estados Unidos passaram a ser a "Casa da Moeda do Mundo".

Mais recentemente, com o advento e a explosão da informática, deixou de ser necessária até a emissão da moeda. Por intermédio de impulsos do computador circulam diariamente, de um a outro ponto do planeta, fortunas fabulosas da ordem de 1 trilhão a 2 trilhões de dólares, dos quais apenas cerca de 2% a 3% correspondem a transações comerciais, sendo o restante especulação pura, sem nenhuma correspondência com o mundo físico, como vem assinalando o renomado economista e pensador americano Mr. Larouche, no hebdomadário Executive Intelligence Review, periódico em que ele estuda, disseca e explica a crise do sistema financeiro internacional como a caminhada para um abismo que, se não detida, levará, sem dúvida, a humanidade para uma nova idade das trevas.

Esse é o império do dinheiro falso, do papel pintado, que não tem coisa alguma a ver com a realidade do mundo físico. As riquezas reais do mundo físico são a água potável, da qual detemos 21% da que existe no planeta, as matérias-primas do reino mineral — e nessas também somos o País mais rico do mundo —, as florestas — e possuímos a maior do mundo — os rebanhos, o solo propício à agricultura, etc., etc., etc.

Pois bem, os Estados Unidos vêem, com muita preocupação, o avanço do euro como moeda de troca no mundo europeu e no resto do mundo.

E o Iraque, que já detém a segunda maior reserva petrolífera do planeta, cometeu a ousadia, no ano 2000, de resolver adotar o euro como sua moeda de troca nas relações internacionais, no que foi seguido parcialmente pelo Irã, pela China e pela Rússia.


Não há dúvida de que a maior potência imperial não terá coragem de atacar a China, porque ela detém o controle do ciclo nuclear — ela tem bomba atômica.

Não dá para enfrentar os megatons dos Estados Unidos, mas eles por certo não quererão ver Washington ser varrida do mapa da Terra.

É a dissuasão estratégica, única ferramenta a ser utilizada por um país para impedir a ação predatória de um outro país sobre o seu território.

Daí por que eu propus, na eleição presidencial de 1998, que o Brasil não assinasse o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares.

E fui achincalhado, vilipendiado por grande parte da imprensa brasileira, antinacioanal, apodrecida, em franca decomposição, que se apraz com o estado servil em que se encontrava e se encontra o Governo brasileiro, de joelhos no cenário internacional.

Neste momento em que a maior parte do mundo civilizado se diz contrária à invasão do Iraque pelos Estados Unidos, não basta a nós do Brasil, potência continental, dizermos que não estamos de acordo com a invasão.

Não adianta coisa alguma sacudirmos lenços brancos e fazermos passeata de paz. Como não possuímos potencial bélico mínimo, pela deterioração programada a que foram submetidas as nossas Forças Armadas, com a conivência do Poder Constituído apátrida, que deixou a área militar da Nação sem recursos para suprir seus velhos aviões de combate e seus tanques obsoletos ou mesmo para alimentar seus praças, só existe uma possibilidade para se contrapor a esse verdadeiro genocídio, digno de fazer inveja às hostes de Assurbanipal, quando, na antiga Assíria, arrancava a pele em vida dos seus prisioneiros de guerra: é a ruptura definitiva com o modelo pútrido que nos é imposto pelo sistema financeiro internacional, do qual são tentáculos o FMI, o Banco Mundial, o BID, a Organização Mundial do Comércio et caterva.
 
E agora falo diretamente a S.Exa. o Presidente da República do Brasil, que tem em suas mãos uma oportunidade ímpar na história do Brasil.

Aproveite a oportunidade histórica que nos está sendo oferecida pelo próprios donos do mundo.

Diga basta a esse modelo nauseabundo e infecto que suga as entranhas da Nação. Ordene que não mais sejam pagos, por ruptura unilateral, os juros da dívida pública, que chegaram a 114 bilhões de reais. V.Exa. estará, assim, criando condições de sobrevivência para os brasileiros, que não têm mais esperança de um futuro com dignidade, uma vez que todo o resultado do seu trabalho, toda a produção nacional, tudo se esvai, como uma flor que se estiola.

Isso tem que ser feito e já está quase passando do tempo, porque o total da dívida pública, aí incluídas a interna e a externa, cresce como um tumor maligno e já ultrapassou a assombrosa cifra de 1 trilhão de reais.

A suspensão do pagamento da dívida pública, como é previsível, trar-nos-á algumas dificuldades em diversas áreas do comércio com o exterior. Mas lembre-se V.Exa. de que já passamos por situação semelhante quando da Grande Depressão, em 1929, e a ela sobrevivemos, como sobreviveremos agora.

Somos quase auto-suficientes em petróleo. Produzimos cerca de 95% do total de 1,8 milhão de barris que consumimos por dia. Não nos preocupemos com os chips e artigos similares que importamos das transnacionais, sob o domínio do império, vindos de Taiwan, da Coréia ou seja lá de onde for. Temos gente boa, e muita gente boa, técnicos e engenheiros altamente qualificados, atualmente desempregados, trabalhando em lanchonetes ou dirigindo táxis, cidadãos ávidos por criar e produzir nas áreas em que foram qualificados. Já tivemos exemplo disso no passado, na indústria aeronáutica, no trabalho desenvolvido pela nossa EMBRAER.

E não tema V.Exa. pelo aporte dos tão decantados investimentos externos. Relatório do Tribunal de Contas da União examinado pelo professor de Economia Dr. Adriano Benayon do Amaral mostra que, na média dos últimos dez anos, para cada 1 dólar com que o Banco Mundial e o BID financiaram o Brasil, o País mandou para fora 1,4 dólar.
Atrairemos, instantaneamente, a França e a Alemanha, que expressamente já declararam o seu repúdio à ação antiamericana no Iraque.

Para essas nações, que precisam muito do petróleo, podemos acenar com a energia da biomassa, que, em nosso País, com a riqueza imensurável de luz solar de que somos dotados, pode apresentar-se como o álcool e os óleos vegetais, capazes de substituir, com vantagens, todos os derivados do petróleo.

E tanto a China como a Rússia e a Índia, além de vários outros países, poderão ser excelentes parceiros comerciais, no caso de retaliações advindas do império americano.


E não se fale em risco de não-abastecimento. Nossos irmãos da América Latina e da Ásia estarão prontos, sem dúvida, a estabelecer parceria conosco, visando também a se libertar do octpopus que lhes suga o sangue circulante.

Claro está que medida desse jaez implica decisão enérgica, firme, que pode ser traduzida em uma palavra: coragem.

Esta é a mensagem que dirijo a V.Exa., em meu nome e no do PRONA. E o faço também em nome de mais de 1 milhão e 570 mil eleitores que me elegeram, o que representou a maior votação individual jamais obtida na história da República do Brasil para a Câmara dos Deputados.

Coragem!

Dê o grito de independência econômica, com quase 181 anos de atraso da independência política. Dê um passo à frente. Não tenha medo. V.Exa. será seguido por todos os brasileiros que o guindaram à sua condição atual, na expectativa de que V.Exa. possa libertá-los dos grilhões da escravidão secular.

Obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.)

quarta-feira, 19 de março de 2003

COMISSÃO DE RELAÇÃO EXTERIORES E DE DEFESA NACIONAL - Considerações sobre a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque. Discussão acerca de convite ao Ministro das Relações Exteriores para prestar esclarecimentos sobre a posição do Governo brasileiro em relação à invasão do Iraque pelos Estados Unidos.

Data: 19/03/2003
Sessão: 0125/03
Hora: 10h25

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Zulaiê Cobra) - Tem a palavra o Deputado Enéas, último orador inscrito.

O SR. DEPUTADO ENÉAS - Sra. Presidenta, parabenizo-a pelo excelente desempenho ao assumir a Presidência desta Comissão.

Também assinei a moção, pois ninguém em sã consciência pode ser a favor de qualquer forma de guerra, e, com o devido respeito a tudo o que foi dito, quero deixar um comentário extremamente rápido.

Em todos os tempos, houve guerras no mundo, e sempre ditadas por interesses econômicos - macroeconômicos, não microeconômicos. Sempre foi assim. A história da Guerra de Tróia é contada para crianças de um jeito e, para quem estuda em profundidade, de outro.

Meu ilustre colega, o Deputado Coronel Alves, chamou a atenção para uma possível retaliação por parte dos Estados Unidos. Com todo respeito, não há nenhuma razão para se agir como se agiu contra o Afeganistão, atingindo civis inocentes, como se está fazendo agora. 

Na verdade, o que se passa é a absoluta deterioração do sistema financeiro internacional, que tem a égide dos Estados Unidos. O sistema financeiro internacional vive hoje uma bolha especulativa, que vai explodir. A guerra é apenas um instrumento. Um dos colegas salientou também a importância não só do petróleo, como do euro, que põe em risco a soberania do dólar, moeda essa que não tem mais nenhum lastro, que é uma absoluta ficção.

Antigamente, antes da decisão de Nixon, havia necessidade de um lastro de ouro, que não é mais necessário. Emitem-se dólares na velocidade que se quiser, chegando à cifra astronômica de bem mais de 1 trilhão de dólares girando por dia no sistema financeiro.

A meu ver, o ponto mais sério ainda é que nenhuma nação está a salvo disso. É claro que temos que fazer moções e passeatas pela paz. Claro que V.Exa., com o poder de que dispõe nesta Comissão, deve usar todo o esforço no sentido de, pelo menos, usando uma expressão latina, no jus esperneandi, fazer chegar à potência maior o nosso vagido, nosso sussurro pedindo que isso pare.

Temos de lembrar que, em agosto de 1945, em Hiroshima, uma cidadezinha no centro do Japão, que eu conheci, foi lançada uma bomba pequenina, de 20 quilotons, menos de um milésimo do atual arsenal bélico dos Estados Unidos. Naquela ocasião, os donos do poder mundial já tinham decretado o fim da guerra, isso já estava decidido definitivamente, e, numa demonstração de força, Hiroshima foi destruída.

Os fatos se repetem, como a colega Deputada lembrou: foi a invasão da Baía dos Porcos, foi Granada, foi o Kwait mais recentemente. Não adianta termos ilusões: o mundo é assim, os países não se relacionam por amizade, é por interesse. Vamos ser realistas, vamos emergir da infância.

Quando S.Exas., os donos do mundo, determinaram os tratados de não-proliferação de armas nucleares, já estavam armados até os dentes. Hoje, o que vemos? Uma nação como a nossa, prodigiosamente bem servida pela natureza; com um potencial hídrico, potamográfico, fluvial que chega a abrigar 21% da água potável do planeta, pelo qual já se prevêem guerras; que tem uma riqueza mineral inimaginável; que tem um dia de sol equivalente a 120 mil usinas de Itaipu a todo o vapor, tem suas Forças Armadas combalidas, sem nenhum recurso caso um ataque seja perpetrado contra nós.

Aproveito a oportunidade que V.Exa. me deu para deixar, ao lado da moção, que é significativa, um apelo: que V.Exa. converse também com o Ministro da Defesa e as autoridades militares para que acordemos do sono letárgico em que nos estão fazendo mergulhar; para que saibamos que, num tempo não muito distante, poderemos ser nós no lugar do Iraque.

Muito obrigado a V.Exa.